Futebol feminino: Proibido

O futebol feminino já viveu diferentes etapas: desde os inícios tímidos e o amadorismo até chegar a ter a presença global atual, com torneios continentais e Copas Mundiais (embora ainda seja com muito preconceito e mínimo apoio, mas isso dá para outro post -ou vários). 

No entanto, a história das mulheres no futebol tem uma época da qual falamos pouco e sabemos quase nada: o período da proibição

Clube Atlético Mineiro (1959). Fonte: Women, disobedience and resilience. Google Arts & Culture

«Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”. 

Assim declarava o artigo 54, do decreto-lei 3.199, publicado no dia 14 de abril de 1941 que era proibida a prática de certos esportes para as mulheres no Brasil. Mas, qual é a “sua natureza”? Quem decide se são incompatíveis e por quê?

O certo é que, para a época, muitas pessoas ainda acreditavam que as mulheres precisavam se preservar para a maternidade, que seus corpos eram muito frágeis para a prática esportiva e que o contacto físico que caracterizava alguns esportes não eram “adequados” para o corpo e os modos femininos. Inclusive antes de entrar em vigor a proibição. 

Dessa forma, apesar de não serem citados diretamente nesse primeiro decreto, o futebol, o halterofilismo, o beisebol, as lutas e outras práticas foram proibidas. 

A maior paradoja: trata-se do mesmo decreto que, durante o governo de Getúlio Vargas, “estabelece as bases de organização dos desportos em todo o país” e institui o Conselho Nacional de Desportos, “para orientar, fiscalizar e incentivar a prática dos desportos em todo o país” (art. 1).

Já para o ano 1965, por meio da Deliberação n. 7 do Conselho Nacional de Desportos, se indica expressamente que “não é permitida (à mulher) a prática de lutas de qualquer natureza, do futebol, futebol de salão, futebol de praia, pólo aquático, pólo, rugby, halterofilismo e baseball”.

Clube Atlético Mineiro (1959). Fonte: Women, disobedience and resilience. Google Arts & Culture

Sempre rebeldes

«Apesar da proibição, as mulheres continuaram fazendo. Só que não podiam ser registradas suas conquistas, elas não poderiam aparecer oficialmente nos registros das federações. Isso deu uma invisibilidade na história das mulheres no esporte. Elas estavam, mas não aparecem. Só que o silêncio não significa ausência», afirma Silvana Goellner, pesquisadora de gênero e educação física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (citada neste artigo).

Nessa época surgiram nomes como o da árbitra Lea Campos, 15 vezes presa durante a proibição; Marileia «Michael Jackson» dos Santos, artilheira do futebol brasileiro; as jogadoras da Ponte Preta de Jacareí, que se organizaram em 1969 para pressionar pelo fim da proibição e assim de diferentes cidades se conseguem relatos das mulheres jogando bola. 

A criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), em 1976, para examinar a situação da mulher em todos os setores de atividade foi um primeiro passo para estabelecer algumas recomendações para a igualdade de oportunidades para ambos os sexos em todas as áreas. 

No entanto, o decreto foi válido até 1979. O fim da proibição não mudou a situação de desamparo, preconceitos, falta de regulamentação, de organização e estímulo que sempre foram constantes no futebol feminino. Apenas no ano 1983 a modalidade foi regulamentada. 

Ainda muitas das histórias e façanhas acontecidas durante o tempo da proibição permanecem sem ser expostas e compartilhadas devidamente. Conhecemos muito pouco das mulheres que enfrentaram o impedimento e decidiram seguir praticando o esporte que amavam. 

Além da perda de memórias, também é importante frisar a falta de investimento e de estruturas nessa época que, provavelmente, ainda ecoa no futebol (e no esporte) feminino atual. 

Museu do impedimento

Um desses esforços para documentar e encher vazio que deixou a proibição é o livro ‘Mulheres Impedidas: A proibição do futebol feminino na imprensa de São Paulo’ da  historiadora Giovana Capucim e Silva.

O estudo teve início como o caso em seu mestrado, revisando documentos e jornais da época.

Por outro lado, foi apresentado o projeto Museu do Impedimento, em parceria do Museu do Futebol e Google. 

“Poucos meses antes do campeonato (Copa Mundial 2019), pensamos de que forma poderíamos ajudar a lançar luz à história do futebol feminino e inspirar novas gerações de meninas a praticarem o esporte. Foi quando, durante as nossas pesquisas sobre o tema, nos deparamos com um capítulo pouco conhecido, uma página em branco que merecia ser preenchida: por quase quatro décadas, entre 1941 e 1979, as mulheres foram proibidas de jogar bola e participar de campeonatos oficiais no Brasil”, comentaram os idealizadores. 

Com o lema “se parte dessa história ainda permanece em branco, chegou a hora de contá-la”, o Museu do Impedimento surgiu como uma plataforma colaborativa, sendo que os usuários e fanáticos poderiam enviar imagens, documentos, relatos e qualquer material para ajudar na reconstrução e documentação desse momento. 

“Hoje, temos orgulho de apresentar as dezenas de histórias que o projeto Museu do Impedimento recebeu. Após uma curadoria feita pelos nossos parceiros especialistas do Museu do Futebol, o conteúdo é exibido no Google Arts & Culture em seis exposições virtuais com 205 fotos, documentos, relatos e artigos de jornais sobre jogadoras e times que desafiaram a lei e continuaram sua caminhada no esporte. Conheça a coleção completa em g.co/museudoimpedimento”.

Em outras fronteiras

O Brasil não foi o único país com este tipo de medidas. 

Especificamente no caso do futebol, desde 1921 até 1979 foi uma época de fortes bloqueios para os times, ligas e torneios femininos. 

Com os mesmos argumentos, frisando que a prática desse esporte não era adequada para as mulheres, Inglaterra, Alemanha e França, por falar dos mais notáveis, também decidiram não permitir às mulheres estar dentro do gramado. 

  • Inglaterra: Proibido desde 1921 até 1971 porque “o futebol não é adequado para mulheres e não deve ser incentivado”, de acordo à Associação de Futebol (The Football Association – FA) nessa época. 
  • Alemanha: Proibido desde 1955 até 1970, alegando sobre a fragilidade do corpo das mulheres e a agressividade do futebol. A volta do futebol foi com condições: as mulheres podiam jogar apenas com clima cálido, não era permitido usar chuteiras com tachas, a bola era menor e mais ligeira e a duração do jogo era de 70 minutos. 
  • França: A Primeira Divisão da França (Feminina) foi criada no ano de 1918. No entanto, desde 1932 até 1975 o futebol feminino foi proibido neste país.

De igual forma que no Brasil, as jogadoras se mantiveram praticando o esporte, apesar dos riscos.

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